O termo perfume vem do latim “Per fumum” ou “Pro fumum” que significa “através da fumaça” ou “para o fumo”. Supõem-se que o uso mais antigo de uma mistura de fragrâncias tenha sido como oferenda religiosa, sendo uma forma de aproximação dos deuses, há mais ou menos 500.000 anos quando o homem descobriu o fogo, através da fumaça que emanava das resinas e madeiras que queimavam.
Na Antiguidade, o perfume estava ligado a questões de ordem religiosa, sagrada, mas conforme passam os séculos, as fragrâncias começam a adquirir um valor terapêutico, de higiene e de prevenção de contágio de doenças, para finalmente adquirir um uso essencialmente hedonista.
A partir dessa ideia, podemos dividir a história do perfume em quatro estágios:
- Perfume ligado à religião;
- Perfume afasta-se da religião, secularizando-se e tornando-se “profano”;
- Popularização do perfume graças ao progresso da indústria química;
- Perfume elitiza-se, ligando-se às casas de alta-costura.
Perfume ligado à religião
Os primeiros perfumes provavelmente surgiram associados a atos religiosos quando o homem descobriu o fogo.
Para homenagear os deuses utilizava-se uma fumaça originada da queima de madeiras e folhas secas. Mais tarde, essa fumaça, considerada pelos sacerdotes de cheiro adocicado, transformou-se em incenso utilizado até a atualidade por várias religiões no sentido de levar as preces até o céu.
No Antigo Testamento temos a primeira fórmula de perfume conhecida: Moisés recebe a incumbência de fazer um incenso perfumado, misturando partes iguais de especiarias doces e galbanum. “Farás também um altar para queimar os perfumes; e, Aarão queimará sobre ele um incenso de suave cheiro”. No texto religioso há varias menções a fragrâncias: as mais conhecidas são a mirra e o incenso que os Três Reis Magos oferecem ao bebê que acaba de nascer em Belém; ou o nardo que uma mulher usa para perfumar a cabeça e os pés de Jesus de Nazaré. A mirra é utilizada na Bíblia como instrumento de sedução feminina – Ester a usa como óleo de massagens antes de encontrar o rei Assuero -, mas especialmente como ritual, dado que ela é o principal elemento do óleo de unção, sendo usada para sanar as feridas de Jesus após a crucificação.
Com o advento do Cristianismo, o uso dos aromas foi banido, uma vez que havia sua associação a rituais pagãos. Graças aos árabes, cuja religião não impunha as mesmas restrições, ocorreu a perpetuação do uso do perfume.
Perfume afasta-se da religião, secularizando-se e tornando-se “profano”
Mas não é só com a religião que o perfume se liga historicamente. A história do perfume remonta há milhares anos e as lendas que envolvem sua criação vão mais longe ainda.
Os egípcios incorporaram os aromas para uso pessoal. Arqueólogos que abriram o túmulo do faraó Tutankhamon em 1922 encontraram vasos com um óleo perfumado conhecido como Kiphi. Após 3.300 anos, traços do aroma ainda puderam ser detectados.
Surgiram os unguentos – pomadas utilizadas pelos hebreus para lesões de pele – obtidos através de flores e materiais de vegetais e animais imersos em óleo.
Há relatos da ligação da perfumaria com a ciência desde Hipócrates, na Grécia Antiga, quando se utilizavam concentrados perfumados para a cura de algumas doenças. Teofastro é considerado um dos primeiros (senão o primeiro) autores a escrever sobre a arte da perfumaria. Esse autor publicou um tratado sobre o perfume em 323 a.C., e seu interesse pelas fragrâncias proveio de sua grande destreza no estudo da botânica.
Foi na Índia e na Arábia que surgiram os primeiros mestres da perfumaria. A arte de extração de perfumes foi bastante aprimorada pelos árabes há cerca de mil anos.
Durante o século IX, um químico árabe conhecido como Alkindus, escreveu um manuscrito a respeito da fabricação de aromas intitulado ” Livro da química de perfumes e destilados”. A obra apresentava diversas receitas de óleos, fragrâncias, águas aromatizadas ou imitações caras. Este mesmo material traz a receita de 107 perfumes. Até hoje alguns instrumentos utilizados na fabricação de perfumes utilizam os mesmos nomes citados por Alkindus, por exemplo, alambique.
Avicenna e Muslin, respectivamente, um medico e um químico de origem persa, foram os introdutores do método pra extrair óleos aromáticos das flores por meio da destilação, sistema utilizado até hoje. No início, fizeram uma experiência com rosas, mas acabaram descobrindo que a mistura de óleos com ervas ou pétalas esmagadas tinha como resultado uma fragrância mais forte; assim surge a águas de rosas, que se torna rapidamente popular. Tanto a tecnologia utilizada na destilação quanto a mistura de ervas com flores foram de amplo usufruto e causaram avanços que foram de grande influência para a perfumaria do ocidente, assim como na química.
O ressurgimento da perfumaria no Ocidente deveu-se aos mercadores que viajavam às Índias em busca de especiarias. Uma outra contribuição significativa foi a das Cruzadas: retornando à Europa, os cruzados trouxeram toda a arte e a habilidade da perfumaria oriental, além de informações relacionadas às fontes de gomas, óleos e substâncias odoríferas exóticas como jasmim, ilangue-ilangue, almíscar e sândalo.
Até hoje, muitos dos melhores perfumes provêm da França. E a cidade francesa Grasse é considerada a capital mundial do perfume!
A perfumaria floresceu com a Renascença. Foi na Europa que o perfume desenvolveu e se popularizou. Mesmo feito ainda de forma artesanal, era parte dos luxos diários e necessários de toda mulher das classes mais abastadas.
A popularização do perfume graças ao progresso da indústria química
No começo do século XX, com a tecnologia mais desenvolvida, foi possível a criação de extratos sintéticos, em geral mais baratos.
No passado, os extratos eram classificados de acordo com a sua origem. E todos ou eram vegetais ou animais. A obtenção dos extratos era artesanal. Os extratos florais, por exemplo, eram obtidas a partir da extração do óleo das flores; a fragrância verde era constituída de óleos extraídos de árvores e arbustos; a fragrância animal, a partir de óleos do veado almiscareiro (almíscar), do gato de algália (algália), do castor (castóreo), dentre outros. E, por fim, a fragrância amadeirada, de raízes, cascas de árvores e troncos.
A produção artesanal acarretava um custo elevando, tornando o perfume acessível apenas às pessoas abastadas. Além disso, a extração indiscriminada de extratos na natureza chegou a levar muitas espécies vegetais e animais à beira da extinção.
- Um quilograma de óleo essencial de jasmim requer, para ser obtido, cerca de oito milhões de flores ou 600 quilos delas;
- O óleo de jasmim natural custa cerca de R$5 000,00 por quilograma. A mesma quantidade da fragrância artificial chega a custar R$5,00;
- São necessárias cinco toneladas de rosas para se obter um quilograma de óleo essencial;
Outro aspecto pouco mencionado é o sofrimento causado aos animais para a extração desses extratos:
- Atualmente, o comércio mundial do óleo de almíscar natural é limitado a 300 kg por ano, o que ainda representa a morte para alguns milhares de veados almiscareiros;
- O ano de 1900 representou o auge no comércio do óleo de almíscar (musk), quando cerca de 1 400 kg do óleo foram coletados, causando a morte de 50 mil animais.
Atualmente – e felizmente -a maioria das fragrâncias é produzida em laboratório. Além disso, o progresso da tecnologia permitiu uma melhoria na qualidade de produção de perfumes, além de ampliar drasticamente a escala de produção. A química dos perfumes é uma atividade econômica crescente e importante fonte de renda para muitos países como a França e a Alemanha, por exemplo.
Com a produção da maioria dos extratos pelas indústrias químicas, o perfume tornou-se acessível à população em geral.
O perfume elitiza-se, com sua ligação com casas de alta-costura
O início do vínculo entre o perfume e a moda se deu com o lançamento da linha Rosine, criada por Paul Poiret, em 1911. O elo entre um perfume e uma casa de alta-costura como essa era inédito. Antes de criar a sua divisão de perfumes, Poiret era artista, costureiro e contribuiu para o universo da decoração com a criação dos seus tapetes.
Na década seguinte, acompanhando o crescimento da carreira de Gabrielle Chanel, foi lançado o Chanel Nº5, ocasionando uma revolução que modificaria o vínculo entre o perfume e a moda desde então.
O Chanel Nº5 foi uma criação do perfumista Ernest Beaux e foi inovador, “tanto na fórmula como na apresentação”. Uma forte concentração de aldeídos ́ sintéticos alcança uma nota de saída exacerbada, em harmonia com cerca de 80 ingredientes, em grande parte naturais, especialmente óleos essenciais de flores.
Na década de 1930, surgem composições intensas com notas orientais. O destaque é para Schocking, de Elsa Schiaparelli. A estilista, que estabelece sua reputação durante essa década, foi a principal rival de Gabrielle Chanel (“Coco Chanel”), se inspirava no movimento surrealista e fazia uso de cores mais chamativas em suas criações, como o próprio tom de rosa presente na embalagem do perfume citado.
Em 1930, foi lançado pelo estilista Jean Patou, conhecido por ser o favorito das europeias aristocráticas, um antídoto para o pessimismo: era o seu perfume Joy, com envasamento à mão em um frasco selado com fios de ouro, o que o tornou o perfume mais caro do mundo.
No final da década de 1940, o luxo e o romantismo são resgatados com o clássico Miss Dior, de Christian Dior. Em fevereiro de 1947, Dior incomoda a cultura francesa ao lançar sua primeira coleção, que resgatava as cinturas finas e as saias amplas dos trajes históricos, apelidada como New Look por Carmel Snow, editora da revista Harper’s Bazaar na época.
O lançamento do New Look aconteceu em um desfile no salão da boutique Dior e o estilista encomendou Miss Dior para pulverizar pelo espaço, tendo o seu aroma assimilado ao visual apresentado na ocasião. Foi um sucesso instantâneo.
Já na década de 1950, o foco se volta para a indústria do cinema e, consequentemente, para os Estados Unidos. É lançado o primeiro grande perfume americano, Youth Dew, de Estée Lauder. Outros sucessos da década foram Cabochard, de Grès, oferecendo a novidade do perfume chipre e L’Interdit, de Givenchy, inspirado em Audrey Hepburn.
Na década de 1960, os florais modernos agradaram à clientela clássica e refinada, que logo se rendeu ao charmoso Y, de Yves Saint Laurent e o desejo pela liberdade culminou com o aparecimento de um frescor olfativo em fragrâncias como Calandre, de Paco Rabanne.
Na década de 1970, as mulheres clamavam por individualidade. Os jovens estilistas como Kenzo e Thierry Mugler, além de Giorgio Armani, Calvin Klein e Ralph Lauren, optaram pela simplicidade, o que realçava as formas de uma mulher jovem, magra e livre.
Nos anos 80, é a competição e a paixão pelo dinheiro que motivam uma forte demanda por perfumes densos. Na contracorrente dos florais frescos, nasce uma nova categoria de chipres, como Paloma Picasso, Diva e Ysatys e de orientais, como Boucheron, Coco, Obsession e Samsara.
É na década de 1990, com a globalização, que acontecem quebras de regras, a busca pelo minimalismo e, por consequência, novos acordes. Um dos maiores sucessos é o aroma inovador e adocicado de Angel, de Thierry Mugler, que inaugura a categoria dos perfumes gourmand, com uma impressão que chega a beirar o comestível.
Com a chegada dos anos 2000, o novo século traz novas influências, como a invasão da internet, da consciência sustentável e da responsabilidade social. O Brasil atinge o primeiro lugar no consumo mundial de perfumes, criando sua própria personalidade olfativa em marcas nacionais, como a Natura e O Boticário. A partir dessa época, percebe-se na perfumaria masculina uma sensualidade mais intensa e na perfumaria feminina, adota-se o conceito de que tudo é permitido
Na atualidade, o perfume, em associação com a arte e a moda, não mais tem a finalidade de apenas proporcionar um cheiro agradável; ele tornou-se componente indispensável na composição da roupa e objeto de desejo nas campanhas publicitárias. O perfume é considerado produto de moda e de luxo, tornando-se um símbolo de popularização ou do que é considerado um luxo atingível, sendo de suma importância para a expansão deste mercado, por exemplo, quando comercializado em estabelecimentos de grande vulto como a Galeries Lafayette em Paris ou nas megastores, como a francesa Sephora.
O elo do perfume com a moda acaba por adentrar o campo do estilo, dialogando com o sujeito, a sua performance e as suas escolhas. A combinação da fragrância com a pele produz uma singularidade com a pessoa, podendo até modificar-se de acordo com seu humor, sua alimentação e outros fatores. Assim, não se torna possível apossar-se do perfume de outrem, pois ele é seu estilo, indivisível e único.
Voltar para Perfume: um guia para acertar sempre